Ue vjeo lteras vvias! | COLUNA#1
- D IDEIA #aoseuredor
- 7 de nov. de 2018
- 2 min de leitura
Atualizado: 2 de jul. de 2019

Não sei se por confusão divina ou mera subversão empírica fui surpreendido ainda criança com um fato que me frustrara, mas que transformara desde então a minha relação com o redor.
Alfabetizado precoce, tive o privilégio de aprender por A mais B que letras organizadas eram o que dava sentido às coisas. Ávido por descobrir, lia tudo que via pela frente. A sensação de poder era indescritível. “Eu tenho a senha!”, lembro como se fosse hoje. Letreiro de ônibus, panfleto amassado, cardápio... Contemplava tudo como agora, homem, contemplo as obras-de-arte; cada letra era matéria-prima. Havia muito a observar. Crescia junto comigo um fascínio esquisito pelas palavras.
O problema é que, pra mim, “as coisas” ainda não faziam sentido. Então, pra atribuir sentido às coisas eu usava “a senha” e as percebia a partir das palavras. Se me pedissem pra fechar os olhos e imaginar uma bola, eu a via como se escrevia, não como se parecia. É estranho, eu sei, mas veja a que ponto cheguei. Fascinado mais com o formato das letras que com o formato da bola, troquei essa por aquela e fiz das palavras o meu brinquedo. As palavras, aliás, assim como os brinquedos, deveriam ter classificação etária porque eu, sem sequer saber como usá-las, fazia delas o que queria. Engolia as partes pequenas, espalhava as consoantes pelo chão e me lambuzava com as vogais na boca. Não me faltava nada. Se eu queria bola, eu tinha; se eu queria “alob”, tinha também, e passava o dia inteiro ali, fazendo neologias, brincando do que quisesse, pra dentro, mesmo sem ninguém saber.
Certa feita, brincando do lado de fora, me assustei! Descobri que as palavras, o sentido e as coisas percorriam, na verdade, o caminho contrário. O mundo é que era assim. Ao contrário estava eu, mas já era tarde demais! Com um desespero inocente, desencaixava as letras, reelaborava as palavras, lia tudo de trás pra frente tentando encontrar o sentido oposto. Era inútil, alguma coisa estava errada. Em “regime semi-aberto”, vivia agora transitando entre dois mundos, ora corria pra fora, ora corria pra dentro traduzindo coisas ao pé-da-letra, aprendendo a ler novamente e legendando tudo ao contrário. “Esse menino não é certo não”, “esse aí tem parte com o tinhoso”, “é um caso a ser estudado”, “Fala tudo de trás pra frente? Assim, na lata? Tu é doido?”(sic); diziam...
É uma experiência. Só se prolongando, se modificando e sendo a mesma ao longo do tempo. O experimento é a própria vida, insistindo na lição de que deve ser concebida de dentro pra fora, pra que o que está fora possa explicar o que há do lado de dentro.
Tem gente que, por isso, me acha meio doido e talvez eu seja mesmo. Mas enquanto elas enxergam apenas cores, eu posso ver cores e “seroc”.
Porque amarelo a gente sabe o que é, mas “olerama” pode ser o que eu quiser!
Autor(a): Ana Ivatom
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