Tem R$0,60?
- D IDEIA #aoseuredor
- 11 de jan. de 2017
- 2 min de leitura
Primeiro dia de busu em Salvador, três e sessenta a passagem do coletivo com ar condicionado, poltrona acolchoada e frota suficientemente grande para todos os cidadãos pousarem suas ancas confortavelmente a caminho de seus destinos... Só que não. Engraçado que, "por ser de lá do sertão, lá do cerrado, do interior do mato, da caatinga, do roçado", dificilmente vejo fura fila, talvez porque elas pouco existam, mas aprendi rápido as manha aqui na capitá. Esperto é quem entra do ladinho, faz a mureta com o braço e encaixa um pé da alavanca pra subir colado no da frente. Tem vezes que uns reclamam, mas quase sempre é a estratégia mais usada, seja lá de qual etimologia existencial você queira chamar a criatura. Coisa é quando um desgramado dá a sorte de vagar a cadeira e senta antes de você, que chegou há milianos no busu, porque coletivo e ônibus tem sílaba demais pra ficar sendo dita assim atoa. Mas se ligue, tô pra conhecer, empatia e solidariedade maior do que a de busu. Quando o barril dobra, fica todo mundo virado na desgraça e unido igual pipoca quando o chiclete passa. Tem dias que essa filosofia falha: tudo deles, nada nosso. E até as frases de auto-ajuda - amor, escrita de corretivo no banco da frente, tão apagadas. Porém, repare só esses dois tempos de hoje, porque pra bom pegador de busu, articular o troco com o/a cobra e gritar "olha o ponto motô", basta. |Primeiro momento|Conquistei meu lugar na entrada e antes de passar a catraca: - Tem sessenta? (Nem lembrava desse detalhe, inclusive, algo que torna salvador antropologicamente diferente de qualquer lugar. Só aqui esse "de fora" pá facilitá o troco, e ai de você que não tenha) - Tenho não, cobra...se fosse trinta, eu até tinha. (Ri cinicamente, procurei outros passageiros, ninguém. Olho pra o cobrador, ele ri com um balançar positivo, malandramente). |Segundo momento| - Tem sessenta? (Não aguentei, não consigo perder a piada) - Tenho não, cobra. Se fosse 0,30 eu tinha. Mas depois desse assalto, fica difícil. (cara de espanto) - Assalto? Vocês foram assaltadas aí no ponto? Foi agora, foi? (eu rio, a mulher atrás de mim idem) - Assalto da gestão, cobra, que aumenta essa tarifa sem um benefício, e atocha no trabalhador tudo que pode, sem respeito nenhum. (ela respira aliviada, desarregala o olho, me fita com desdém pelo susto que lhe causei. Enquanto a outra passageira ri solidarizada e afirma: - O trabalhador que se lasque, né?) Desço me perguntando, já que tudo na vida passa, menos o cobrador e o motorista. Quem será o derradeiro, que ficará?
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